Author/Uploaded by J. M. Simmel
Johannes Mario Simmel Até o mais amargo fim CÍRCULO DO LIVRO CÍRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 01051 São Paulo, Brasil Edição integral Título do original: “Bis zut bitteren Neige” Copyright © 1961,1962 by Droemersche Verlagsanstalt Th. Knaur Nachf, Munique, Zurique Tradução: JoséAbrahão Licença editorial para o Círculo do Livro por cor...
Johannes Mario Simmel Até o mais amargo fim CÍRCULO DO LIVRO CÍRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 01051 São Paulo, Brasil Edição integral Título do original: “Bis zut bitteren Neige” Copyright © 1961,1962 by Droemersche Verlagsanstalt Th. Knaur Nachf, Munique, Zurique Tradução: JoséAbrahão Licença editorial para o Círculo do Livro por cortesia da Editora Nova Fronteira S.A. Venda permitida apenas aos sócios do Círculo Composto pela Linoart Ltda. Impresso e encadernado pelo Círculo do Livro S.A. 8 10 9 7 87 88 Este e-book: Digitalização, ocerização, correção, formatação e PDF: The Flash Capítulo primeiro 1 Lembro-me perfeitamente do momento em que morri pela primeira vez. Depois disso, morri outras vezes; mas hei de guardar para sempre na lembrança o local e a data dessa minha primeira morte — Hamburgo, dia 27 de outubro de 1959. Nesse dia, pela manhã, desabava uma terrível tempestade. Cada vez que me recordo desse acontecimento parece-me ouvir de novo aqueles ruídos furiosos, ou zunidos terríveis, os gemidos sibilantes na lareira, as fortes sacudidelas nos telhados, nas folhas-de-flandtes, nas tabuletas da rua, nos caixilhos das janelas, nos gradis das portas. A furiosa tormenta encontrou maneira fácil de se introduzir, àquela hora da manhã, no sonho confuso que eu vinha tendo. Estava ouvindo e sentindo o temporal quando a campainha do telefone me arrancou do sono. O aparelho encontrava-se sobre a mesinha-de-cabeceira. Tateando, acendi a luz do abajur, pois as cortinas estavam baixadas. Minha cabeça doía... Sentia um gosto ruim na boca. Uma sensação de mal-estar invadia-me. Ao lado do telefone, vi cigarros, um cinzeiro, um copo de uísque pela metade, um tubo de tranquilizantes, uma pequena cruz dourada e meu relógio de pulso. Passavam três minutos das oito. A porta do banheiro estava aberta. Através do vidro leitoso da janela do banheiro penetrava no quarto aquela luz matinal, plúmbea, terrível, que parecia rastejar sobre a cama, misturando-se à luz mortiça do abajur, Peguei o fone, que cheirava a uísque. Uma forte repugnância pareceu assaltar-me a garganta, — Alô! Fala a central telefônica. Bom dia, sr. Jordan. O senhor estava dormindo? — Estava... — Então queira me desculpar. Mas como não havia qualquer instrução com as telefonistas para não acordá-lo, tomei a liberdade ... — Está bem... Na verdade o sono me impedia de formar as frases por inteiro. Sentia o cheiro das pontas de cigarro no cinzeiro, agravado por uma camada de uísque que nele se derramara. — Temos aqui um interurbano da Califórnia para o senhor. É de Pacific Palísades. O senhor concorda em pagar a ligação? — Em pagar o quê? — É uma chamada a pagar. A srta. Shirley Bromfield deseja falar-lhe. — Minha filha? — Não sei. É a srta. Shirley Bromfield. — Pois é minha filha. Ou melhor, minha enteada. Ora, o que tinha a telefonista a ver com isso? Eu devia, sem devida, estar ainda meio dormindo... precisava sair daquela sonolência. — Pode completar a ligação, por favor. — O senhor concorda em pagar a ligação? — Sim, concordo. — Então, um momento. Não desligue. Depois do clique característico, comecei a ouvir estalidos e cHiados. De ambos os lados do Atlântico, feriam meus ouvidos palavras, frases, tudo confuso, misturado. — New York... calling relais New York... — Can you get me Pacific Palisades now? Extension Crestview 5 2223. Hamburg bas accepted... 1(1 "Nova York... Nova York chamando...” “Pode me conseguir Pacific Palisades agora? Crestview 5 2223. Hamburgo aceitou...” Em inglês no original. - Nota do Editor) Por trás da pesada cortina escura de damasco, pendurada no arto de modo a cobrir totalmente uma parede, havia uma janela aberta. Pude observar como aquele tecido pesado se inflava e se levantava. Senti o ar gelado da tempestade. Ouvi os trovões, zunidos e os ruídos terríveis. A ventania estava forte. No banheiro, a entrada de ventilação estava aberta. — Hallo, relais New York... — Just a second, Hamburg, just a second... 2(2“Alô, Nova York...” “Só um segundo, Hamburgo, só um segundo...” inglês no original - Nota do Editor) Jornais americanos e alemães, com as folhas soltas, espalham-se pelo tapete, diante da cama. Uma página, destinada a certa empresa cinematográfica, mostrava o meu rosto. Eu vestia uma camisa esporte azul, aberta. A fotografia fora tirada por Joe Schwartz, tógrafo de Hollywood. A minha cor era saudável. Antes de vir Pra a Europa, procurei, durante muitas semanas, amorenar-me Pila ação do sol. Sorrindo, eu aparecia na foto como um tipo esbelto, resoluto e dotado de caráter, qualidades que na verdade jamais possuí. Depois de vinte anos, Peter Jordan, o inesquecível jovem astro, filma de novo. A encarregada da ligação informava: — Can you hear me, Hamburg? Here comes Pacific Palisades now1. (1 "Pode me ouvir, Hamburgo? Pacific Palisades está na linha” Em inglês no original. - (Nota do Editor) — E o aparelho deu seu clique característico. Então ouvi sua voz sonora, tão próxima, tão clara que fiquei como que arrebatado: — Peter. Pela nitidez do som, parecia que ela estava em meu próprio quarto. Falei somente em inglês, — Shirley! Aconteceu alguma coisa? — Sim... Sua voz alta, de timbre ainda infantil, tremeu ao abafar um soluço. — Algo com Mammy? — Não. Com Mammy? Como? — Que significa essa sua interrogação? Onde está você? — Em casa. Ela tinha dezenove anos; sua voz, contudo, parecia de alguém mais jovem... muito mais jovem mesmo. Do lado de lá do oceano, àquela distância entre um continente e outro, eu a ouvia respirar convulsivamente, rapidamente, denotando muito medo. — Shirley. Um gemido. — Diga-me logo o que aconteceu. —: Paddy, estou grávida. 2 Paddy... Ela agora me chamava Paddy... pela primeira vez depois de muito tempo. Conhecera-me quando tinha quatro anos, e desde então devotara-me um ódio espontâneo, como se eu fosse um demônio, desses que o padre, com cores apocalípticas, sempre lhe descrevia, a ela e a outras meninas da sua idade. Por isso, somente sob ameaça de castigo é que mé chamava “tio Peter”, virando sempre a cabeça e