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O herdeiro roubado (Volume 1 O herdeiro roubado)

Author/Uploaded by Holly Black


 
 Uma noite, também, junto à lareira do berçário,
 Nós nos aconchegamos e sentamos muito quietos,
 De repente, quando o vento soprava mais forte,
 Algo arranhou o peitoril da janela,
 Um rosto marrom e franzido espiou — estremeci;
 Ninguém ouviu ou pareceu ver;
 Os braços da criatura acenaram e suas asas farfalharam,
 Uh — Eu sabia que tinha vindo por mim!&#13...

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 Uma noite, também, junto à lareira do berçário,
 Nós nos aconchegamos e sentamos muito quietos,
 De repente, quando o vento soprava mais forte,
 Algo arranhou o peitoril da janela,
 Um rosto marrom e franzido espiou — estremeci;
 Ninguém ouviu ou pareceu ver;
 Os braços da criatura acenaram e suas asas farfalharam,
 Uh — Eu sabia que tinha vindo por mim!
 Alguns são tão ruins quanto podem ser!
 A noite toda dançaram na chuva,
 Voltas e voltas em piruetas gotejantes,
 Jogaram os barretes na vidraça,
 Tentaram me fazer gritar e uivar
 E arremessar as roupas de cama para longe:
 Eu pretendia ficar na cama naquela noite,
 E se você tivesse deixado uma luz acesa
 Eles nunca teriam me levado!
 — Charlotte Mew,“A Criança Trocada”
 
 
 
 
 Uma pessoa encontrou uma criança sentada no concreto frio de um beco, brincando com o rótulo de uma lata de comida para gato. Quando enfim foi levada ao hospital, estava com membros azuis de frio. Ela era uma coisinha enrugada, muito magrinha, feito um graveto.
 Sabia apenas uma palavra, o próprio nome. Wren.
 Conforme a menina crescia, a pele mantinha um tom suave de azul, semelhante ao leite desnatado. Os pais adotivos a embrulhavam em jaquetas e casacos e mitenes e luvas, mas, ao contrário da irmã, ela nunca sentia frio. A cor de seus lábios mudava como um anel de humor, ficando azulada e roxa mesmo no verão, e rosada apenas quando estava perto de uma lareira. E ela podia brincar na neve por horas, construindo túneis elaborados e simulando lutas com pingentes de gelo, entrando em casa apenas quando era chamada.
 Embora parecesse magricela e anêmica, a menina era forte. Quando completou oito anos, conseguia levantar as sacolas de compras com as quais a mãe adotiva se atrapalhava.
 Quando tinha nove anos, ela se foi.
 
 Na infância, Wren lia muitos contos de fadas. Por isso, quando os monstros apareceram, ela soube que era porque havia sido má.
 Eles se esgueiraram pela janela, empurrando o batente e cortando a tela tão silenciosamente que a menina continuou a dormir, abraçada a sua raposa de pelúcia favorita. Ela acordou apenas quando sentiu garras tocarem seu tornozelo. 
 Antes que pudesse dar o primeiro grito, dedos cobriram sua boca. Antes que pudesse dar o primeiro chute, suas pernas estavam presas.
 — Vou soltar você — avisou uma voz áspera, com um sotaque estrangeiro. — Mas, se acordar alguém da casa, vai se arrepender muito.
 Aquilo também era como nos contos de fadas, o que deixou Wren receosa de quebrar as regras. A menina ficou totalmente imóvel e quieta, mesmo quando a soltaram, embora seu coração batesse tão forte e rápido que parecia ser capaz de ecoar alto o bastante para acordar a mãe.
 Uma parte egoísta de Wren desejava que o fizesse, desejava que a mãe aparecesse e acendesse a luz para banir os monstros. Não seria quebrar as regras, seria, se fosse apenas o trovejar de seu coração que despertasse alguém?
 — Sente-se — ordenou um dos monstros.
 Docilmente, Wren obedeceu. Mas seus dedos trêmulos enterraram a raposa de pelúcia entre os cobertores.
 A visão das três criaturas que rodeavam sua cama a fez estremecer de forma incontrolável. Duas eram seres altos, elegantes, de pele cinza como pedra. A primeira, uma mulher com um tufo de cabelo claro preso em uma coroa de obsidiana dentada, trajava um vestido de algum tecido prateado que esvoaçava ao seu redor. Era linda, mas a linha cruel de sua boca alertou Wren para que não confiasse nela. O homem fazia par com a mulher como se fossem peças de um tabuleiro de xadrez, e usava uma coroa preta e roupas do mesmo material prateado.
 Ao lado dos dois havia uma criatura enorme e imponente, esguia, com pele pálida como um cogumelo e uma selvagem cabeleira preta. Mas o traço mais notável eram seus longos dedos, parecidos com uma garra.
 — Você é nossa filha — disse um dos monstros de rosto cinza.
 — Você pertence a nós — grasnou o outro. — Nós a fizemos.
 Ela sabia sobre pais biológicos, que, aliás, a irmã tinha, pessoas simpáticas que vinham visitar e que se pareciam com a irmã, e que às vezes traziam avós ou donuts ou presentes.
 Ela desejara ter os próprios pais biológicos, mas nunca pensou que seu anseio poderia evocar um pesadelo como aquele.
 — Bem — disse a mulher da coroa. — Você não tem nada a dizer? Está admirada demais pela nossa majestade?
 A criatura com dedos de garra soltou um pequeno suspiro indelicado.
 — Deve ser isso — comentou o homem. — Quão grata você se sentirá por ser afastada de tudo isso, changeling? Levante-se. Depressa.
 — Para onde vamos? — perguntou Wren. O medo a fez cravar os dedos nos lençóis, como se ela pudesse se agarrar à vida antes daquele momento se simplesmente segurasse com força suficiente.
 — Para o Reino das Fadas, onde você será uma rainha — respondeu a mulher, um rosnado na voz que deveria ser bajuladora. — Nunca sonhou com alguém aparecendo para contar que não é uma criança mortal, mas uma feita de magia? Nunca sonhou em ser tirada de sua vidinha patética e levada para uma de incrível grandeza?
 Wren não tinha como negar que sim. Ela assentiu. Lágrimas queimavam no fundo de sua garganta. Aquele havia sido seu erro. Aquela era a maldade em seu coração que fora descoberta. 
 — Vou parar — sussurrou ela.
 — O quê? — perguntou o homem.
 — Se eu prometer nunca mais formular desejos assim, posso ficar? — perguntou ela, a voz trêmula. — Por favor?
 A mão da mulher golpeou seu rosto em um tapa tão forte que parecia um estrondo de trovão. Sua bochecha doía, e, embora os olhos marejassem, a menina estava chocada e zangada demais para que escorressem. Ninguém jamais havia batido nela.
 — Você é Suren — disse o homem. — E nós somos seus criadores. Seu senhor e

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